Mas,o que ocorreu nesses 3653 dias, capazes de gerar fascínio até hoje?
Mesmo mais de 40 anos depois, ninguém sabe explicar o que fez daquele decênio tão singular.Fato é que algo se despertou, fazendo com que adolescentes e universitários saíssem de suas zonas de conforto e levantassem as vozes, indo para o fronte exigir mudanças.
Na França, berço de todas as revoluções da história, maio de 68 tornou-se um símbolo. A cadeia de barricadas, revoltas e greves que sacudiu o país foi tão grande, que no dia 20 o país amanheceu sem diversos serviços públicos, como metrô, ônibus e telefonia.
No Japão,a convicção anti-Estados Unidos, que os culpava por explodir desnecessariamente as bombas atômicas e desejava a expulsão de suas tropas do país, era tão intensa que dava impulso para os jovens conflitarem com a polícia por até 10 horas.
O sentimento de transformação era tão contagiante que chegou até países onde manifestações estudantis eram coisas raríssimas, pra não dizer inimagináveis, como os comunistas Polônia e a antiga Tchecoslováquia.
No México, a classe estudantil protestava continuamente contra a ditadura disfarçada.Por essa razão, foi vítima de uma emboscada na praça de Tlatelolco, onde fora marcada uma reunião para discutir uma trégua durante as Olimpíadas a serem realizadas no país, assim como a libertação de presos políticos, sendo até hoje impreciso o número de mortos neste massacre.
Mas nem só de questões políticas fervilhava a década.As discussões sobre arte, religião e revolução sexual também andavam a todo vapor, culminando num verdadeiro caldeirão de agitações juvenis, que se fazia perceber nas diversas palavras de ordem pichadas nos muros como “A arte está morta.Não consuma seu cadáver” , “Deus, te suponho um intelectual de esquerda” e “Abra sua mente tantas vezes quanto abre sua braguilha”.
Se os jovens de hoje enxergam as músicas apenas como matéria-prima para suas playlists de Ipod altamente rotativas, com suas letras ensimesmadas e despretensiosas (as 20 canções de maior sucesso da década de 2000 falam todas sobre relacionamentos amorosos ou festas), nos anos 60 a visão era bem diferente: a música tinha uma carga altamente passional, tendo seus versos transformados em hinos e entoados a plenos pulmões.Era a válvula de escape onde se podia descarregar toda a insatisfação com o rumo da própria vida e do país, num sentimento que pode ser bem sintetizado nas frases da canção da época “Street Fighting Man”, dos Rolling Stones: “Mas o que pode um rapaz pobre fazer, além de cantar numa banda de rock?Pois na Londres sonolenta, não há lugar para um homem que luta nas ruas”.
Nos Estados Unidos, não é possível falar da geração sessentista sem citar os hippies.Pacifistas, de filosofias liberais e visuais nada tradicionais, eram visto com escárnio pelos conservadores, que lançaram até uma campanha publicitária com o slogan “Embeleze a América, corte o cabelo”.Apesar do movimento hippie propriamente dito ter tido vida curta, ele serviu de inspiração para pessoas em todo mundo e gerou produtos culturais imortais, como o clássico musical da Broadway “Hair” e o Festival de Woodstock.
No Brasil, os anos 60 foram cunhados indelevelmente pelo golpe militar e a posterior ditadura.Para driblar a truculência dos oficiais, entidades como a UNE(União Nacional dos Estudantes) tornavam-se cada vez mais focos de resistência.
O assassinato do estudante Edson Luís de Souto Lima, de apenas 17 anos, no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, foi um marco.Atingido mortalmente por um dos tiros indiscriminados dados pela polícia, que tomou de assalto o lugar, ele teve seu corpo velado por 60 mil pessoas indignadas. Edson tornou-se assim mártir de um movimento estudantil indefeso e idealista, que não tinha a quem pedir socorro pelos abusos e perseguições, mas que acreditava e continuava sua batalha.
Permeados por emoções contraditórias e marcantes, os anos 60 foram realmente especiais. O grupo inglês The Who já dizia em sua antológica canção “My Generation”, “Espero morrer antes de ficar velho”, indo ao âmago do espírito da época: jovem, livre, e até mesmo portador de certa síndrome de Peter Pan, com horror a tudo que remetesse a velhos valores e comportamentos, sinônimos de rigidez e infelicidade.
Apesar de a tão sonhada era de Aquário não ter chegado, e a história ter seguido seu curso de maneira muitas vezes indesejada, façamos as devidas reverências à coragem destes pequenos revolucionários, que ousaram sonhar e gritar para todo o mundo essas quimeras, numa época em que os muros tinham ouvidos e os ouvidos tinham muros.