quarta-feira, 22 de junho de 2011

O cara perfeito

Descrever "o cara perfeito" não pode furtar-se à típica resposta feminina: a tríade universal bonito-gentil-e-romântico. Ok. Mas, e se fosse possível moldar o cara realmente perfeito, em todos os mínimos detalhes, aquele do tipo "tudo que eu sempre sonhei"? Em uma ociosa noite pré-feriadão, me propus essa tarefa.

Deixe-me ver. O meu Apolo imaginário, vamos lá, me acompanha na escassez de melanina: é branco, branco mesmo, tanto que no seu braço dá pra fazer Duplex Scan a olho nu. É daqueles que não podem permanecer em um ambiente quente por cinco minutos sem já ficar esbaforidos e com as bochechas rosadas. A costa é um lençol, e cheia daquelas pintinhas marrons bonitinhas.

É engraçado e faz imitações hilárias, de Silvio Santos a Axl Rose, do tipo que reúnem uma roda em torno. “Cara, você é bom, hein? Podia fazer stand-up!”. Ele também sabe rir de si mesmo. É lindo, mas parece não se dar conta disso (e o melhor, nem ligar pra isso), e adora tirar sarro dos seus pequenos defeitos, como aquele dente levemente torto e a cicatriz meio esquisita no pé. Até mesmo quando escarnece dos meus é divertido.

Sotaque é indispensável. Apetece-me o do interior paulista, com seu “r” puxado (porrrta) e “e” bem aberto (sémestré). Não sei, me passa inocência e aconchego. Aliás, por falar em inocência, o sorriso e o olhar têm que ser ingênuos. Não infantis, mas despretensiosos, puros. Ele é o tipo de pessoa que não imagino fazendo mal a uma mosca. Que tem cara de quem ajuda a velhinha a atravessar a rua e se engaja em causas humanitárias.

É descendente de europeus, com um sobrenome impronunciável cheio de consoantes. Quem sabe poderíamos até fazer uma viagem por sua terra de origem, que rendesse mil fotos lindas para eu colar no mural e encher o saco das visitas mostrando. Aliás, ele A-M-A viajar e conhecer novos lugares, bota a maior fé em fazer a volta ao mundo comigo.

Os olhos são azul-escuros cheios daqueles tracinhos, que formam caleidoscópios celestes cujo brilho refletido pelo sol é embasbacante. Pena que não posso apreciar por muito tempo, pela maior sensibilidade que as íris claras têm à luminosidade, levando-o a fechá-los quase que imediatamente. Fofo.

O cabelo é liso, daquela tênue cor entre loiro escuro e castanho claro. Corte estilo Robert Schwartzman. Alto, acho que uns 1,85 m. Magro, mas não esquelético. Cheiroso. Braços fortes, jamais musculosos. Sobrancelha definida, porém não muito cheia. Cara de homem, mas com traços finos. Abro exceção para um discreto nariz de tucano, acho charmoso.

Não é vaidoso nem tenta impressionar, porque não precisa. Toca violão e guitarra — um instrumento exótico também cai bem, tipo gaita. Tem a voz suave, daquelas que ao mesmo tempo te dão vontade de dormir de tão terna e te deixam insone de tanto encanto. Gosta de rock anos 70 e 80. Tem outros dons artísticos, como saber desenhar (e obviamente fará um lindo — e benevolente — quadro meu).

Não é pegajoso nem puxa-saco. Sabe a hora exata de me elogiar e dizer que gosta de mim. E quando faz isso, é arrebatador. Escolhe as palavras certas e eu sempre acredito, porque sei que é verdade.

Inteligente, claro. É o queridinho dos professores: “Esse menino tem um futuro brilhante”. Gosta de ler, vê muitos filmes e é bom de matemática. Sim, porque eu, como retumbante fracasso em números, não posso ver homem que sabe cálculo — morro de amores. Fala inglês e espanhol fluentemente, e ainda humilha numa língua estranha que aprendeu pra “passar o tempo”. Porque, ah, bom... ele é perfeito.

Não consigo nem olhá-lo sem meu estômago revirar, mas ao mesmo tempo, me sinto indescritivelmente confortável perto dele.

Se você existe, cara perfeito, apresente-se. E que meu indubitável amor à primeira vista seja eterno enquanto durar.

Comoção nacional, comoção jornalística

Já deu de mostrar toda hora esse bandido, hein? Só estão fazendo justamente o que ele queria...”

“Pronto, Wellington vai virar celebridade e ser transformado num mártir pra outros perturbados. Parabéns, imprensa!”

“Jornais como sempre capitalizando na desgraça alheia. Será que não basta de choro e sofrimento?”

Tweets a respeito do Massacre de Realengo.

Quando li estes comentários, fiquei com uma certa agonia da mídia. Será que estão mesmo forçando a barra? Logo depois, me coloquei na posição de pura espectadora. E num exercício de sinceridade, me perguntei e respondi sem hipocrisias: tive eu interesse em ler/assistir àquelas matérias? Não posso mentir, sim.

Quis saber do histórico familiar e escolar do homicida, ver o estado dos pais cujos filhos de repente viraram vítimas da situação grotesca e sem precedentes no país, assim como o que os sobreviventes testemunharam e como se sentiam agora. Pronto, falei. E creio que se a maioria das pessoas expressasse total honestidade, também admitiria tal curiosidade, esperando, portanto, exatamente o que os meios mostraram — um pouco mais, um pouco menos.

Posteriormente, como estudante de jornalismo, procurei colocar-me no lugar de um colega de profissão que estivesse cobrindo o fato. Pânico. O que fazer? Deveria eu apenas citar o bê-a-bá da notícia ou ir atrás de desdobramentos que porventura pudessem causar desconforto? Devo satisfazer somente o interesse público ou também o interesse do público? Essa classificação é, talvez, a maior dúvida do Jornalismo. E decorrente dela é o drama lancinante que nos acomete, pobres repórteres hamletianos, em momentos em que olhamos para a cabeça do editor, quase fumegando de tanto estresse, e podemos imaginá-la em nossas mãos, sendo indagadas: "Ser ou não ser sensacionalista? Eis a questão"

Capturar Cérbero é fácil, quero ver é Hércules realizar o 13º trabalho de cobrir um fato de comoção nacional. Porque só mesmo uma temporada no Olimpo e uma imortalidade básicas para compensar a dificuldade disso.

Lógico que tiramos daqui os extremos de mau gosto que existem por aí e falamos do jornalismo, hm, sério, ou que pelo menos tem a pretensão de sê-lo. É sempre difícil saber o que já virou exagero quando se cobre um acontecimento que por si só é hiperbólico. Seria tão mais prático se houvesse um medidor de sensacionalismo, né? Tipo:

Imagem do enterro = Ok.

Close nos parentes chorando = Nível tabloide britânico.

Narração adjetivada e carregada= Deixe os discursos poéticos para Pedro Bial.

Mas isso não existe.

Apesar de muitas vezes o famigerado “mostrar o lado humano da tragédia” ser eufemismo para explorar a desgraça alheia ao máximo, a realidade não é edulcorada mesmo. E precisa ser mostrada.

Expor fotos e vídeos de Wellington, entrevistar o “Maníaco do Parque” ou os Nardoni em horário nobre, desvelar a vida de luxo e poder que traficantes levavam no Morro do Alemão... Isso de certa forma é dar publicidade a crimes? Sim. Isso pode encorajar outras mentes doentias? Sim. Então, isso deve ser extirpado dos noticiários? Não.

Acho que se os jornalistas podem ter acesso a esses materiais, eles têm que ser divididos. Porque eu e você, mesmo que consideremos essas coisas desagradáveis, temos o direito de tê-las publicadas.

Na minha opinião, o problema é da forma, e não do conteúdo. Eventuais excessos na abordagem ocorrem, mas o mundo é intenso e chocante de fato, não há como escapar disso. Se os jornais só mostrassem amenidades, o problema seria outro: alienação.

Se você sente ojeriza pelo confronto direto com a informação, a melhor coisa que pode fazer é simplesmente tentar evitar olhá-la. E aliás, a única também.

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Escrevi esse texto há uns dois meses e chego aqui, contrariando o preceito básico de atualidade imperativa da minha profissão, um tanto ( bastante) atrasada para comentar o caso. Entretanto, apesar de o ocorrido já não estar mais tanto em pauta, a discussão sobre o sensacionalismo no jornalismo é atemporal.