Encontrei uma ex-amiga outro dia. De tantas combinações com o prefixo, talvez seja esta a que crie a mais estranha alcunha para alguém. O ex-amigo, tal qual a névoa de inversão térmica que flutua acima de São Paulo, paira sobre todos os outros status de relacionamento. E essa ideia cinzenta e amorfa é capaz de confundir nossos sentimentos à maneira da poeira aos olhos.
Pois bem. Muito tempo passado desde que nos falamos e vimos pela última vez, após uma quase-briga no último ano do colégio, eu e a garota topamos na fila para uma boate. Atualmente morando em outro estado, ela estava de férias aqui. Avistei-a de longe com alguns amigos nossos da época secundarista. Ela sorriu para mim, e eu, sem saber direito o que fazer, dei outro sorriso de volta, bem amarelo. Dentro da boate, nos encontramos de novo. Pensei: “Não vou bancar a imatura. Afinal, podemos superar isso, mesmo que superficialmente”. E lá fui eu expressar cordialidade. A menina tentou passar simpatia, perguntou sobre a minha vida, o que eu andava fazendo, quem eu namorava e tudo mais. “Vamos ao cinema domingo?”, forçou, até. Entretanto, as coisas realmente não eram mais como antes. Conversamos educadamente, mas não consegui nem sequer esboçar interesse em estar ali. Ela era uma estranha.
Nosso afastamento foi causado por uma sucessão de episódios que me fizeram perder a confiança naquela que, veja só, era não somente minha amiga, como a minha melhor amiga. Eles culminaram em um acontecimento que tornou insustentável nossa relação, pelo menos para mim. Quando a encontrei agora, confirmei o que já suspeitava: nunca mais poderíamos estabelecer algo próximo de uma amizade.
De vez em quando, confesso que olho antigas fotos e papéis de conversas e sinto uma ponta de saudade daquela época. Porque, por mais que a menina me desse muita dor de cabeça, era alguém com quem eu podia desabafar, rir das coisas mais bobas, passar a tarde cantando e discutir horas a fio sobre garotos. Eu lembro bem do violão, do quarto laranja onde dormi algumas vezes, daquele cachorro de estimação imenso do qual eu morria de medo e até do dia em que tentamos pintar o cabelo dela de azul com papel crepom.
Dizem por aí que a amizade é um amor que nunca morre. Infelizmente, não é verdade. Quando se trata de pessoas, nada é eterno. E a amizade é muito bonita, mas humana: está sujeita às nossas metamorfoses.
São muitos os que achávamos que seriam nossos companheiros para sempre, mas que evadiram-se pelos caminhos da vida. As razões são diversas: distância, falta de tempo, namoro, ou até mesmo a substituição por amigos “melhores”. Às vezes nem sequer há uma razão.
Sinto falta daqueles que perdi ao longo dos anos. O paulista gente boa sempre disposto a me ouvir todas as manhãs. A adolescente meiga com quem eu passava os recreios e compartilhava a esdrúxula mania de arrancar cabelos. Aquela que vinha tomar banho de piscina na minha casa e discutir a capa do cd do Nickelbak (até hoje ainda não resolvemos essa polêmica, depois explico a vocês). Até mesmo a Érika — nunca esqueci que o nome dela é com "k"—, da segunda série, uma magricela dentucinha que andava comigo pra cima e pra baixo. Sem contar a minha carne-e-unha do ginásio, cujo número do telefone sei de cor até hoje. E a Daniela, meu Deus, lá do Rio, será que sequer ainda lembra de vez em quando que eu existo?
Essas pessoas não estão mais comigo, mas me fizeram felizes enquanto estavam. É por tal razão que procuro aproveitar ao máximo todos os queridos amigos que tenho hoje. Não por pensar que têm prazo de validade na minha vida, e sim por saber o quanto são valiosos. Porque ninguém pode garantir que as amizades serão eternas, é verdade, mas pelo menos as boas lembranças delas, essas sim o são.